segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O coronelismo dos Costa e Sodré - 03.1

O início
O poder político/partidário santa-cruzense-do-rio-pardo, nos tempos do império, era representado pelo seu prestigioso chefe, conservador ou liberal, nome de maior proximidade junto à esfera provincial, cargo ocupado quase sempre com violentas disputas de mando, às vezes internas, além dos golpes, ardis, tocaias, assassinatos e dissidências.
Alheio às altercações para o mando político local, o então tenente-coronel, depois coronel, Marcello Gonçalves de Oliveira, filiado e representante do Partido Republicano Paulista - PRP, pelo qual vereador em 1886, viu-se guindado à condição de prestigioso chefe político com o golpe militar de 1889 que revogou o império para implantar a república no Brasil.
O natural crescimento perrepista santa-cruzense, desde então, abrigou duas alas conflitantes, a ‘velha guarda’ - aqueles filiados ao partido antes da Proclamação da República liderados pelo coronel Marcello, e os da ‘nova guarda’ ou ‘adesistas’ - ingressos posteriormente, cuja expressão maior o tenente-coronel João Baptista Botelho, latifundiário egresso do extinto Partido Liberal, homem ávido pelo poder.
Botelho em 1890, na ausência prolongada do coronel Marcello à frente do PRP, aproximou-se do presidente da Província de São Paulo, Prudente de Moraes, apresentando-lhe uma série de problemas no município santa-cruzense causado pela ‘displicência’ do chefe político local, para então assumir a direção perrepista, num tumultuado período de perseguição aos adversários e contestadores. Contrapôs-lhe o deputado [federal] constituinte, Antonio José da Costa Junior, em 1892, quando o vice-presidente do estado paulista, José Alves de Cerqueira César, assumiu interinamente o poder nomeado por escolha indireta.
O fazendeiro Costa Junior, com interesses e residente intermitente em Santa Cruz do Rio Pardo, era político poderoso e muito próximo de Cerqueira César, e em nada lhe foi difícil destituir Baptista Botelho e retornar o coronel Marcello ao poder.
Com a morte de Marcello, em 1896, Botelho, vinculado ao Campos Salles - o novo presidente da província, não teve dificuldades em reassumir o diretório municipal como 'prestigioso chefe político', consolidando-se no poder em janeiro de 1897 ao receber sua nomeação como Coronel Comandante da Guarda Nacional da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo (DOSP, 10/02/1897: 5).
A chegada de Campos Salles à presidência da república, em 1898, solidificou o domínio do coronel Baptista Botelho na direção política perrepista local, fazendo eleger deputado estadual o advogado ‘santa-cruzense’ Cleophano Pitaguary de Araujo, na legislatura de 1898/1900, e, reeleito para o mandato de 1901/1903.
O coronel Baptista Botelho, no ano de 1900, dominava a política na comarca, quando, em 1901, o presidente Campos Salles rompeu o compromisso assumido com Prudente de Moraes em apoiar José Alves de Cerqueira Cesar para o governo de São Paulo, ao impor o nome de Bernardino de Campos, gesto visto como interferência na política estadual, compromissos rompidos e quebra da unidade partidária, agravada, sobremaneira, com a disposição de Rodrigues Alves, chefe do executivo paulista, apoiar Campos Salles, sob a promessa de ter o seu nome indicado para a presidência do Brasil. Revoltou-se o Baptista Botelho, rapidamente a contagiar outros coronéis no Médio Paranapanema.
Costa Junior, político habilidoso, há tempos vinha colecionando acusações contra o Botelho, por improbidade e desvios de recursos públicos, situações agravadas com o encabeçamento de revolta dissidente regional, já inevitável. Com as denúncias aceitas pela Comissão Central do PRP, Botelho foi apeado do poder, e, em seu lugar, o médico Francisco de Paula de Abreu Sodré, genro de Costa Junior.
Dissidência criada, início de um período político sangrento na história local, com violência deflagrada entre grupos encarabinados, os ‘pica-paus’ defendendo os novos chefes, Costa Junior/Abreu Sodré, e os ‘jagunços’ lutando pela manutenção do Botelho no cargo, brigas a pau e a tiros, tocaias e atentados, vidas ceifadas, famílias enlutadas e divididas politicamente, e foram às urnas nas eleições de 16 de dezembro de 1901, com fraudes e abusos de ambos os lados, na denominada ‘bacanal eleitoral’, e o grupo de Botelho fragorosamente derrotado.
Contra o Botelho, ainda naquele nefasto 1901, graves problemas financeiros com a primeira crise dos cafeicultores, "difficuldades que vêm de longe, creadas pela crise financeira do paiz, aggravadas neste momento pela baixa do preço do café" (RG, U 1156, 1901: 5). A não bastar, também denunciado pelos vencedores, através de Costa Junior, por desvio de recursos públicos, falcatruas contra o Tesouro do Estado quando no cargo de coletor de rendas, desfalques e desvios de verba pública municipal, malversação do erário, dilapidação dos bens municipais, formação de quadrilha, corrupção e exacerbado despotismo.
Condenado por sindicâncias, camarária e independente, Botelho seria levado às barras do judiciário santa-cruzense, onde o juiz de direito Augusto José da Costa, irmão e genro de Costa Junior, além de tio, por afinidade, e concunhado de Francisco de Paula de Abreu Sodré. Empobrecido, sem influência política e ciente da condenação judicial, Botelho optou por atentar contra a vida, a 02 de julho de 1902, vindo a óbito seis dias depois.

Dr. Antonio José da Costa Junior
Costa Junior, assim conhecido, apelidado 'Dr. Costão', nasceu aos 21 de novembro de 1843, em Campo Belo (RJ), formou-se advogado no ano de 1864, pela Faculdade de Direito [São Francisco] – São Paulo, advogando por algum tempo em Resende - RJ; foi casado com Anna Ignácia de Macedo nascendo-lhes os filhos: Eurídice, Antonio, Anésia, Christiano, Idalina, Augusto, Clotilde e um falecido.
Representante das elites, Costa Junior se elege Deputado para a Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo, pelo Partido Liberal, legislatura de 1880/1881, e reeleito para 1882/1883. Adesista ao 'Golpe Militar de 1889' que instituiu a República, conquistou vaga de deputado constituinte, por São Paulo, e outras vezes eleito para a Câmara.
Costa Junior residiu "primeiro em Campo Bello mudou-se depois para Cachoeira neste Estado, por pouco tempo para o Rio de Janeiro e finalmente para Santa Cruz do Rio Pardo" (Correio Paulistano, 14/05/1902: 2, matéria Homens Públicos – Deputados Federais).
Grande capitalista, proprietário da fazenda Ourinho na então localidade de Santa Cruz, em atual Ourinhos, avançando terras para além do Rio Paranapanema até o hoje município de Jacarezinho, em algum tempo conhecido, também, como Ourinho.
Não confundir Ourinho povoação paranaense – agora Jacarezinho, com a fazenda Ourinho, parte do atual município de Ourinhos.
Para a história santacruzense importa a presença pioneira da família, quando Costa Junior adquiridor de fazendas na região e no norte pioneiro paranaense, e o seu irmão e genro Augusto José da Costa nomeado o primeiro juiz de direito, da comarca de Santa Cruz, em 1890, empossado no exercício seguinte.
Ao mesmo tempo que a família Costa se fixava em Santa Cruz, também chegavam os Sodré, pelo designado primeiro promotor público da comarca, dr. José Balthazar de Abreu Cardozo Sodré, em 1891, tio paterno do Balthazar de Abreu Sodré, membro da Guarda Nacional, dono de farmácia e grande fazendeiro, e o irmão deste, dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré, igualmente da Guarda Nacional, médico, fazendeiro e logo genro do dr. Costa Junior.
Ao mesmo tempo que a família Costa se fixava em Santa Cruz, também chegava a família Sodré, pelo designado primeiro Promotor Público da Comarca, Dr. José Balthazar de Abreu Cardozo Sodré, em 1891, tio dos outros Sodré também presentes, contando, Balthazar de Abreu Sodré, membro da Guarda Nacional, dono de farmácia e fazendeiro; e o irmão deste, Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré, igualmente da Guarda Nacional, médico, fazendeiro e genro do Dr. Costa Junior.
Com a família Costa, em Santa Cruz, são lembrados os irmãos Cerqueira Cesar: Julio dono de propriedades no município, na região e no norte pioneiro paranaense, também genro de Costa Junior; José Alves de Cerqueira Cesar Filho e Bento de Cerqueira Cesar, filhos do capitalista e político, dr. José Alves de Cerqueira Cesar, presidente do Partido Republicano Paulista e presidente interino do governo paulista - 1891/1892.
Político oportuno, Costa Junior assumiu controle partidário perrepista em Santa Cruz, no ano de 1901, transmitindo a liderança ao genro Francisco de Paula Abreu Sodré, com a queda do coronel João Baptista Botelho.
Não lhe foi tarefa fácil e muito se bateu contra adversários políticos locais, através da imprensa, ou mesmo discussões pessoais, uma delas, segundo as memórias, quase resolvida a tiros com Tonico Lista.
Deputado Federal – legislatura 1903/1905, assim anunciado no ano de 1904 pela imprensa santa-cruzense: "Dr. Costa Junior: Para a Capital Federal, onde vai tomar posse nos trabalhos legislativos, seguiu o nosso amigo e prestigioso chefe Dr. Costa Junior. (O Progresso, 16/06/1904: 1).
Sempre às caturras com os adversários, Costa Junior era acusado em atacar pessoas, anonimamente, via grande imprensa. Exemplo aleatório, a 1º de novembro de 1905, num artigo publicado pelo jornal 'O Estado de S. Paulo – Seção Livre', pressupostamente de sua autoria, atacou oficiais da Guarda Nacional santa-cruzense (O Estado de São Paulo, 01/11/1905: 4), considerada a elite social, revelando as mazelas políticas locais e a vida pregressa de cada aludido em suas críticas.
Os adversários lhe foram igualmente impiedosos:
"Pela Seção Livre do Estado de S. Paulo, de 1º do corrente, appareceu um anonymo que, a julgar pela linguagem, outro não sinão o façanhudo deputado federal Costa Junior, celebre por sua nullidade, por sua arrogancia e valentia, celeberrimo por suas fraudes eleitoraes, por seu servilismo aos governos e pelos subsidios que tem comido, á razão de R$ 75$000 por dia, desde 1890.
Qual um cão damnado, e vendo que esta se aproximando o dia de receber um adeuzinho de despedida do adorado subsidio, procurou occultarse sob o anonymato de A honra da Republica para morder tudo e a todos".
O artigo revela arbitrariedades de Costão, da sua família - citação das bebedeiras do seu irmão e genro o juiz Augusto Joé da Costa; e dos protecionismos a bandidos postos ao serviço sujo. (Correio Paulistano, 08/11/1905: 5).
Costa Junior não se elegeu deputado federal para a legislatura 1906/1908, numa combinação entre Antonio Evangelista da Silva [Tonico Lista] e Ataliba Leonel, todavia assumiu vaga em decorrência da morte do Dr. José Rebouças de Carvalho, numa eleição disputada no 4º Distrito eleitoral.
A despeito da posse como deputado, o seu grupo em Santa Cruz estava abatido, perdendo o diretório para Antonio Evangelista da Silva e Olympio Rodrigues Pimentel; o juiz afastado sumariamente pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que posteriormente retornaria ao cargo, mas noutra comarca.
Com os acontecimentos Costão fez-se mais agressivo com os adversários, determinando ao juiz substituto, Moyses Nelli, que fizesse prender, preventivamente, Olympio Rodrigues Pimentel e Antonio Evangelista da Silva, suspeitos de mandantes no assassinato do capitão Jacob Antonio Molitor.
Independentemente da atuação política e dos muitos conflitos em Santa Cruz, 'Costão' foi grande fazendeiro progressista regional, com aberturas de estradas de rodagem, edificações de pontes e pontilhões, ativações de balsas, e denotado esforço para a passagem da linha férrea por onde a atual Ourinhos, tudo através de seu elevado prestígio junto às autoridades de governo, reconhecidamente em defesa de interesse próprio, da família Sodré e das elites fixadas no município e no norte paranaense a ele vinculadas.
Costa Junior trabalhou muito para o desenvolvimento de Jacarezinho - a antiga urbe Ourinho, cuja denominação sugerida 'Costina', não fosse a recusa do homenageado.
As realizações de Costa Junior modernizaram o sertão e todos se beneficiaram.
O dr. Antonio José da Costa Junior, conhecido e considerado um dos mais notáveis brasileiros de sua época, faleceu aos 07 de abril de 1919, na capital São Paulo.

Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré
A família Abreu Sodré, tida marrano judaica e de expressiva notoriedade política e social nas províncias da Bahia e Rio de Janeiro, e "destes Sodrés do Rio vêm os de S. Paulo, que deram no Abreu Sodré, governador do estado no tempo dos militares" (Sodré, 2004: 1-2), radicando-se no sertão Paranapanema, na última década do século 19, a destacar o médico Francisco de Paula de Abreu Sodré, nascido, conforme sua biografia, em Niterói- RJ, aos 02 de julho de 1864, segundo filho de Francisco Balthazar de Abreu Cardoso Sodré e de dona Maria Firmina da Silva Veiga.
Ao sertão viera antes o tio paterno, Dr. José Balthazar de Abreu Cardoso Sodré, nomeado Promotor Público para a Comarca de Santa Cruz, no ano de 1891. Depois, em 1893, o irmão de Francisco, Balthazar de Abreu Sodré licenciado para a instalação de farmácia.
Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré chegou em algum tempo entre 1893 e 1895, mencionado residente no município por ocasião de seu casamento, aos 08 de maio de 1895, com dona Idalina Macedo Costa, filha do dr. Antonio José da Costa Junior, também morador na cidade.
Em Santa Cruz o Dr. Sodré estabeleceu-se como médico a partir de 1895, com garantia histórica, e tornou-se fazendeiro e líder político. Quanto ao exercício da medicina, o adversário político, Dr. Olympio Rodrigues Pimentel, não lhe perdoou:
"(...) este sr. não é formado em medicina como apregoa; pelo menos não tem carta de medico e si a tem, não a registrou na Directoria de Hygiene do Estado, como manda a lei, (...). Portanto, està exercendo illegalmente a medicina nesta localidade." (Correio do Sertão, 04/04/1903: 2).
Diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1893, ainda que sem o competente registro no Estado de São Paulo, e nisto o exercício ilegal da profissão, Dr. Abreu Sodré mais importa a Santa Cruz como líder político, entre 1901 e 1907, assumindo o lugar do Coronel João Baptista Botelho.
Visto inimigo de Botelho e causador do seu desastre político, em verdade o dr. Abreu Sodré mantinha relações de compadresco ao batizar Benedicto, filho do coronel e Dona Guilhermina Brandina da Conceição, aos 02 de março de 1900.
Sodré e Botelho romperam laços de cordialidade e compadrio em 1901, quando da indisposição do coronel com os presidentes do Brasil e do Estado de São Paulo, ocasionando vazio político ocupado por Sodré graças ao sogro Costa Junior, amigo do presidente da república Campos Salles e influente na administração estadual de Rodrigues Alves.
Intendente da Câmara em 1901, o coronel Botelho perdeu as eleições municipais daquele ano para o grupo Costa Junior/Abreu Sodré, quando eleitos apenas vereadores 'sodrelistas', inclusive a maioria dos suplentes.
O suicídio de Botelho, em 1902, fez consolidar a liderança de Abreu Sodré até 1907.
O hebdomadário Correio do Sertão, instalado em Santa Cruz no início de 1902, tornou-se oposição a Costa Junior/Sodré, e no município chegava com regularidade o jornal 'O Rebate', assinado pelo capitão Samuel Porto, defendendo os novos líderes, esculachando os dissidentes.
Dr. Olympio Pimentel, através do Correio do Sertão, atacava e desqualificava o grupo 'sodrelista' e este, sob as ordens do truculento Fernando Eugênio Martins Ribeiro, subdelegado, quase sempre titular no cargo, ameaçava invadir as oficinas do hebdomadário, promover empastelamentos [misturas de caracteres tipográficos] e ordenar a prisão do diretor da empresa, o Antonio Galvão.
Com ameaças entre si, a partir de 02 de agosto de 1902, o próprio editorial do Correio do Sertão, iniciava uma sequência de críticas ao grupo de Sodré, ou a este diretamente, pela inoperância e descasos com as obras públicas urbanas denunciadas pelo Correio do Sertão mostrando as dificuldades se se transitar por algumas ruas do centro urbano.
O semanário informava rumores de dissidência no grupo sodrelista, ou queria assim passar aos seus leitores, que os vereadores Estevão Ribeiro de Assis Rezende e Henrique Hardt destoavam de seus pares, ensejando melhores atendimentos e serviços municipais, porém nada podiam conseguir.
Aos 3 de janeiro de 1903 ocorreu sério conflito entre o grupo de Sodré e o semanário Correio do Sertão, quando o diretor Antonio Galvão, ao posicionar-se a favor de uma imigrante italiana, Dona Colomba Mariani, advertida por transitar com carro de boi em lugar proibido, foi preso por ordem do delegado em exercício, Dr. Fernando Eugênio Martins Ribeiro.
A truculenta prisão do diretor do Correio do Sertão foi contestada pela população e alguns advogados.
A edição do semanário para dia 10 de janeiro de 1903 estava ameaçada, pelos 'sodrelistas', em não circular, e isto gerou fato inusitado de plantonistas populares na guarda dos próprios da empresa jornalística, bem como os assinantes vindos buscar seus exemplares na redação do semanário, e até banda de música presente em solidariedade a Galvão, e a folha circulou normal.
O Correio do Sertão viria à forra e, na edição de 4 de abril de 1903, revelou o lado cruel e violento do líder político Abreu Sodré, que fizera invadir a residência do negociante João Daminoso, na noite de 28 para 29 de março de 1903, onde hospedados o italiano Sertori, sua esposa Candida Fioramante com uma criança de apenas três dias, e o filho maior Phelippe. A agressão deu-se em razão que Sertori e o filho ousaram criticar o governo Sodré.
Cita a reportagem que o próprio Sodré determinou aos capangas as imobilizações de Sertori e Phelippe, enquanto aplicava-lhes tremenda surra com rebenque de couro tipo 'rabo-de-tatu', além de apoderar-se de uma espingarda da vítima. Teriam testemunhados os fatos: Antonio Jacob Molitor, Francisco Grano, André de Moura, Benedicto Flávio, Antonio Tanoeiro, Luiz Bonifacio Figueira, Maria Furtado, Rita Anna de Jesus, Joaquim D'Oliveira Ferraz e os donos da casa, João Dominoso e Luiza Molare.
A matéria mencionou, ainda, que o médico Ernesto Torres Cotrim examinou e medicou os agredidos, marcando para o dia seguinte o exame de corpo de delito, no entanto os italianos partiram de madrugada para a fazenda Caiuá no estado do Paraná, e, assim, nenhuma providência tomada contra o abuso de Sodré.
O Correio do Sertão manteve suas denúncias contra Sodré, sustentando que o governo sodrelista voltava-se muito mais aos interesses da família e apaniguados, além de violento.
As denúncias eram graves, como as utilizações de verbas públicas e serviços da união, estado e município, nas aberturas e manutenções de estradas oficiais que ligavam suas propriedades e as da família, com custeamentos de pontes, dos direitos às explorações de balsas no Rio Paranapanema, e obras que interessavam aos protegidos.
Para o Correio do Sertão o governo Sodré era ímprobo. Em 1903 a Câmara, por iniciativa do vereador e delegado de polícia, Dr. Fernando Eugênio Martins Ribeiro, autorizou o município tomar empréstimo de 30:000$000, furtando-se à publicidade de seus atos e tornando nula a fiscalização de dois vereadores oposicionistas, Dr. Henrique Hardt e Salathiel Ferreira e Sá.
A reportagem alertava, a possibilidade dos desvios daqueles recursos quanto sua destinação, a lançar dúvidas quanto às intenções do grupo 'sodrelista', além de lamentar a falta de credibilidade da Câmara.
As arbitrariedades praticadas por ou a mando de Sodré tinham proteções seguras, tanto por ele quanto pelo poder judiciário local, em mãos concunhado e tio de sua esposa, o juiz Augusto José da Costa.
O Correio do Sertão criticava as violências praticadas pelo chefe político, e num paralelo, até admitia que o coronel João Baptista Botelho também fora violento, porém o justificava como homem sem instrução e assessorado por pessoas também sem estudos e diplomas. Para o semanário, Abreu Sodré estaria muito aquém de Baptista Botelho.
Outro caso de espancamento denunciado pelo Correio do Sertão, edição de 03 de outubro de 1903, ocorreu aos 20 de setembro do mesmo ano contra o cidadão italiano Giuseppe Scieretti - aportuguesado José Ceretti, estabelecido negociante na então Vila Nova, de Santa Cruz do Rio Pardo.
Pelas edições seguintes do semanário, é certo que o Ceretti se metera numa discussão com outro italiano, Constante Trevisani, engenheiro 'sodrelista' para cujo grupo abridor de estradas e construtor de pontes e pontilhões, denunciado por envolvimento em negociatas com a Câmara e seu presidente, Francisco Sodré.
Sodré solidário ao amigo Trevisani [Trevisan]. ordenou o espancamento de Ceretti.
O Correio do Sertão mostrava-se implacável em relação ao dr. Sodré, vista em edição de 28 de novembro de 1903, ao denunciar caso de omissão policial, pelo delegado titular Ezequiel Guedes, sobre o assassinato praticado a mando da família Costa/Sodré, num crime conhecido como 'O assassinato do Preto Basilio'.
Segundo denúncias, João Ferreira de Castilho - o Joãozinho Costa, sobrinho dos Costa e administrador da fazenda do tio juiz de direito, cometera o dito crime, como braço executor do aparentado e chefe político Francisco de Paula de Abreu Sodré.
Joãozinho era extremamente agressivo contra adversários políticos, correligionários dissidentes e os discordantes da política 'sodrelista', provocando-os e atacando-os a chicotes e rebenques, cercado de capangas, sabendo ser protegido pelos parentes, o líder político Abreu Sodré e o juiz da comarca, doutor Augusto José da Costa.
O assassinato do 'Preto Basilio' foi a última grande denúncia do Correio do Sertão contra o grupo dos Costa Junior/Sodré, e aos 31 de dezembro de 1903, sem comunicação de qualquer aviso prévio, o semanário transferiu-se de Santa Cruz para a localidade de Avaré, com a mesma denominação e mantendo o número sequente da edição santa-cruzense.
Abreu Sodré venceu as eleições de 1904, sob denúncias de irregularidades, fez-se presidente da câmara, e elegeu como intendente o dr. Fernando Eugênio Martins Ribeiro, sucedido pelo adesista Henrique Hardt em 1905.
Em razão das fraudes denunciadas Sodré perdeu importantes membros do grupo, a exemplo do Arlindo Crescêncio da Piedade, que se filiou aos dissidentes:
"Não tendo meus companheiros de directorio dr. Francisco Paula de Abreu Sodré e tenente-coronel Moyses Nelli correspondido ao appello feito por vv. exas. para que as eleições de 30 de outubro ultimo corressem livres e escoimadas de fraudes e outros vicios que, em matéria de liberdade de voto, tanto nos têm degradado, desliguei-me do directorio, presidido pelo referido dr. Francisco Sodré, do qual deixo de fazer parte." (Correio Paulistano, 24/11/1904: 3).
Dezesseis anos depois o Arlindo apresentaria sua faceta oportunista.
Abreu Sodré já se apresentava como chefe político decadente quando o Tonico Lista, inesperadamente, conquistou o diretório perrepista local, em 1904. Costa Junior e Sodré tentaram, sem êxitos, revogar a decisão do diretório paulista.
Então Sodré, como presidente da Câmara e num último azo, ainda firmado nos seus vereadores fiéis, fez-se autorizado pela 'Lei Municipal nº 57', de 15 de julho de 1906, a celebrar o contrato para construção de 24 quilômetros de ramal ferroviário, desde Bernardino de Campos, passando por sua propriedade, grande obra custeada pelo município e doada ao governo do estado, de acordo com a escritura lavrada, tardiamente, em 29 de julho de 1912, no Cartório do 1º Ofício de Santa Cruz do Rio Pardo.
A ferrovia inegavelmente atendia interesses particulares do fazendeiro Abreu Sodré, custando 200:000$000 ao município, dívida que perduraria décadas, crescente ano após ano, enquanto os lucros remetidos para o Governo do Estado, conforme estabelecido em convênio assinado pelo político Abreu Sodré, em nome da municipalidade que ele então dominava.
Excluída a coincidência de aquele ramal ferroviário fazer parada na fazenda de Sodré – estação de Francisco Sodré, em atual distrito de Sodrélia, o contrato e o endividamento municipal sempre foram motivos para suspeição de desvio do dinheiro público.
Com o PRP local nas mãos de Lista e seu grupo, dr. Abreu Sodré candidatou-se a deputado estadual elegendo-se pelo 3º Distrito Eleitoral do Estado de São Paulo, legislatura 1907/1909; e depois sucessivamente até a legislatura 1922/1924, porém nenhuma pelo 5º distrito do qual Santa Cruz fazia parte.
A despeito de estar em exercício de deputado estadual, em 1907, Sodré ainda se manteve presidente da câmara, conforme documentos assinados em 04 e publicado aos 28 de julho de 1907, pelo semanário 'O Progresso', que o saudou como deputado estadual e presidente do legislativo municipal de Santa Cruz do Rio Pardo: "Jubilosa sente-se a população de Santa Cruz do Rio Pardo por haver regressado hontem da Capital, o nosso idolatrado chefe Dr. F. Sodré, digno Presidente da Câmara e Deputado Estadoal."
A cumulação era permitida e prática usual até nos anos de 1930, e quando a ausência do presidente da câmara o vice-presidente assumia, todavia, certos acontecimentos em Santa Cruz causaram estranhezas.
O livro ata camarário, iniciado em 07 de janeiro de 1906 e encerrado aos 29 de dezembro do mesmo ano teve o livro seguinte principiado aos 23 de dezembro de 1907, evidenciando ausências de registros das sessões legislativas ocorridas no período de 30 de dezembro de 1906 a 22 de dezembro de 1907.
As sessões, no entanto, ocorreram, e ata camararia comprova-as, quando, em sessão de 23 de dezembro de 1907 menciona assuntos camarários de 03 de julho de 1907, e das aprovações às destinações de recursos públicos municipais e das arrecadações previstas para 1908, apalavradas a pagamentos e amortizações de dívidas do município com o preparo e construção do leito ferroviário.
Também, na sessão de 23 de dezembro de 1907, são lembradas as reuniões de 28 de outubro e 21 de dezembro de 1907, que tratam das obras públicas contratadas pela câmara com a 'Superintendência de Obras Públicas do Estado'.
As ocorrências fortalecem indícios sobre o desaparecimento propositado do livro ata das sessões ocorridas entre 30/12/1906 a 22/12/1907, período quando o dr. Sodré estava presidente da câmara, ao mesmo tempo que deputado estadual.
Dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré transferiu domicílio em 1907, a manter interesses no município por algum tempo, e algumas de suas visitas foram registradas pela imprensa.
Falecido aos 17 de julho de 1942, em São Paulo, aos 81 anos, dr. Sodré teve com dona Idalina, sete filhos nascidos santa-cruzenses:
-Francisco de Assis de Abreu Sodré;
-Antonio Carlos de Abreu Sodré, partícipe da Revolução de 1932, Deputado Constituinte em 1934 e Deputado Federal na legislatura 1835 a 1837;
-Luiz Costa de Abreu Sodré - médico;
-Maria Alice de Abreu Sodré;
-Arnaldo de Abreu Sodré;
-José de Abreu Sodré;
-Maria Eugênia de Abreu Sodré;
-Armando de Abreu Sodré;
-Reinaldo de Abreu Sodré.
Outros cinco filhos do casal nasceram em São Paulo, entre eles o mais famoso, dr. Roberto Costa de Abreu Sodré, que se formou, foi fazendeiro e político - deputado estadual em três legislaturas, e 'eleito' indiretamente, governador do Estado de São Paulo, período entre 1967/1971, depois atuou como ministro das Relações Exteriores, de 1986 a 1990, vindo a falecer no ano de 1999.
A família Sodré manteve uma fazenda em Santa Cruz do Rio Pardo, a Santo Antonio, até os anos 1950, quando transferida para novo dono que mudou o nome da propriedade para Santa Gema.

— Dois Sodrés destacados, nascidos em Santa Cruz do Rio Pardo
Antonio Carlos de Abreu Sodré - advogado, promotor, político

Antonio Carlos nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo aos 05 de abril de 1898, filho do fazendeiro, médico e líder político, Francisco de Paula de Abreu Sodré e dona Idalina de Macedo Costa. Aos 20 de dezembro de 1919 graduou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais do Largo de São Francisco, hoje incorporada à Universidade de São Paulo.
Durante o período universitário, pelas 'Arcadas', Antonio Carlos foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, eternizado como o fundador da Assistência Judiciária Acadêmica - Departamento Jurídico, para proporcionar simultaneamente atendimento gratuito à população pobre e experiência advocatícia aos futuros causídicos, sob a supervisão de professores.
Antonio Carlos, como principal nome da 'Liga Nacionalista' ou 'Liga Antianarquista', teve participação na greve da Light de 1919, reprimida a tiros, e sobre a qual declarou:
"Membros de uma sociedade conservadora, futuros cultores do direito, não poderíamos tolerar que elementos indesejáveis, na sua própria Pátria, venham aqui para dar expansão às suas idéias de desorganização social." (Estado de São Paulo, edição vespertina Estadinho*, 31/12/1919: 42. Prefeitura Municipal de São Paulo, Documentos - Bibliografia de Patronos de Escolas Municipais, Antonio Carlos de Abreu Sodré, página 42).
*O jornal Estado de São Paulo lançara em 1915 sua edição vespertina denominada Estadinho, suplemento cultural, que circularia até 1919.
Outra identificação polêmica, Antonio Carlos como integrante e árduo defensor dos princípios da Sociedade Secreta [Estudantil] de Direito [da Faculdade de São Francisco], a 'Burschenschaft' paulista, a 'Bucha' - abrasileiramento por comodismo prosódico, a tratar-se de sociedade estudantil na Faculdade [de Direito] de São Paulo e secreta nos moldes e inspirações das congêneres existentes na Europa iluminista do bávaro Weishaupt.
Indiscutível o Antonio Carlos à frente da Liga Nacionalista de São Paulo - LNSP, de inspiração bilaquiana e formada por alguns dos integrantes da 'Bucha', em 1916/1917, e, nisto, a dissenção entre bucheiros - prós e contras: "A fundação da Liga Nacionalista e, subseqüente, do Partido Democrático, por dissidentes da Bucha, veio acelar o seu processo de deterioração." (Carta Forense, Bucha: A sociedade secreta do Direito, 01/08/2005).
A LNSP originara-se no trinômio 'escola - reforma do voto - serviço militar', já na decadência perrepista, posicionando-se pela total abstenção das Forças Armadas nas lutas político-partidárias, no entanto, contradizente, ao solidarizar-se com a revolta militar em São Paulo, no ano de 1924, em detrimento do esperado apoio incondicional ao governo, o que levou Arthur Bernardes proibir-lhe o funcionamento, conforme depreendido em Silvia Levi-Moreira (1982: 68-74) e, por extensão, o impedimento da própria 'Bucha', cujos documentos depois apreendidos pela polícia política - 'especial' - de Vargas, quando da invasão da Faculdade de Direito.
Antonio Carlos ganhou destaques tanto na carreira jurídica quanto política, como Promotor Público em Olímpia e Botucatu - SP, sendo nesta última localidade eleito vereador e, a partir daí, alavancado sua carreira política.
Ingressou na política pelo Partido Democrático - PD, do qual fundador, em 1926, juntamente com o conselheiro Antonio Prado, Francisco Morato, Paulo Nogueira Filho e Marrey Júnior, em defesa do voto secreto e autonomia do poder judiciário. Integrou-se ao Diretório Central do PD e aderiu à formação da Aliança Liberal para o apoio a Getúlio Vargas.
Vargas derrotado nas urnas encontraria em Antonio Carlos e outros paulistas o apoio necessário para a conspiração político-militar que, pela Revolução de 1930, o conduziu ao poder.
Com certeza foi a razão do distanciamento de Antonio Carlos Abreu Sodré da política santa-cruzense, cujo líder, o tenente-coronel Leônidas do Amaral Vieira, que confrontava o 'varguismo'. Ainda, sobre Antonio Carlos, em Santa Cruz do Rio Pardo pesava-lhe a imagem política negativa do pai.
O Correio de S. Paulo, em dezembro de 1935, publicou matéria propagandista pró reabilitação do nome do patriarca dr. Francisco de Paula de Abreu Sodré, como político santa-cruzense, com inverdades históricas, e responsabilizando o coronel Antonio Evangelista da Silva - Tonico Lista como causador das desgraças políticas e econômicas do município.
Mas, em 1932, Antônio Carlos fez-se partícipe da 'Revolução Constitucionalista' ao assumir a organização da 'MMDC - Martins, Miragaia, Drausio e Camargo', os estudantes mortos numa manifestação anti-Vargas em 23 de maio de 1932, estopim para a conflagração.
Deputado constituinte em 1934, e federal em 1937, Antonio Carlos consagrou-se político atuante, conquistando importantes melhoramentos para o interior paulista, junto ao governo estadual de São Paulo, Dr. Armando Salles de Oliveira.
Consta que Antônio Carlos tinha possibilidades em se tornar o governador de São Paulo, pois o ex-governador Armando Salles de Oliveira "apoiava sua candidatura a este posto de comando", enquanto o próprio Salles de Oliveira pretendia a presidência do país (Lopes da Cunha, 2009: 182, referência 32). O golpe de Getúlio implantando o totalitário Estado Novo interromperia as pretensões.
Antonio Carlos teria tido a segunda oportunidade para chefiar o governo paulista, no 'queremismo getulista' de 1945, oferta do próprio Getúlio, recusada pelo convidado ao intermediário da proposta, o dr. Oswaldo Aranha. De outra forma, o 'queremismo' fracassou e Getúlio foi deposto (CD: A/A).
Outras notas informam que Antonio Carlos sofrera perseguições no 'Governo Vargas' e acometido de moléstia que precocemente ceifaria sua vida. O nome de Antonio Carlos consta em Registros do DEOPS (PROIN - Prontuário: 3587 Caixa: 22).
Antonio Carlos faleceu em São Paulo aos 14 de novembro de 1946, e já o Decreto Estadual de nº 16.350, de 27 de novembro do mesmo ano, em seu artigo 1º declarava: "O Grupo Escolar de Bernardino de Campos passa a denominar-se - Grupo Escolar "Dr. Antônio Carlos de Abreu Sodré."
Dois anos depois a lei municipal botucatuense, de 09 de abril de 1948, ao reconhecer o valor e préstimos de Antonio Carlos àquele município, determinou: "Fica denominada Rua Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré, a atual rua Amazonas sita no Bairro Alto desta Cidade."
Quando o irmão caçula, Roberto Costa de Abreu Sodré era o governador paulista (1967/1971), Antonio Carlos recebeu duas outras homenagens, políticas. A primeira, dando o seu nome à Escola Municipal de Vila Sabará, São Paulo, quando da sua construção em alvenaria, em 11/08/1968, pelo então chefe do executivo municipal paulistano, o brigadeiro Faria Lima.
Para a Escola Municipal de Ensino Fundamental "Dr. Antonio Carlos de Abreu Sodré", foi determinada a data de 11 de agosto para Comemoração Cívica do seu dia e, por força do Artigo 1º do Decreto 13.428, de 15/07/1976, ficou instituído como o dia do patrono a data do seu nascimento, ou seja, 05 de abril.
A seguinte homenagem ocorreu em Ourinhos - SP, para denominar o Museu Histórico e Pedagógico de Ourinhos com o seu nome, sob a justificativa "que entre as figuras a serem cultuadas nos museus, como patronos de suas atividades educacionais e cívicas, e da mesma forma credoras de homenagem pública pela maneira abnegada, sincera e combativa com que serviram a pátria, sobressai o nome de 'Antonio Carlos de Abreu Sodré'-.", pelo Decreto nº 52.034, de 12 publicado aos 13 de junho de 1969, assinado pelo vice-governador, Dr. Hilário Torloni.
Antonio Carlos de Abreu Sodré também foi homenageado na cidade de Ipaussu, com o nome de uma Avenida, mas não consta nenhuma homenagem ou mesmo referência sua em Santa Cruz do Rio Pardo, sua cidade natal.

Luiz Costa de Abreu Sodré – médico
Tese de Medicina apresentada por Luiz Costa em 1924 
Nascido em Santa Cruz do Rio Pardo, batizado aos 05 de agosto de 1900, idade de seis meses, Luiz Costa [de] Abreu Sodré, cursou escola pública em São Paulo, ingressou na Faculdade de Medicina - USP, e, formando em 1923, apresentou trabalho de medicina intitulado Inspeção Sanitária de Santa Cruz do Rio Pardo, datilografado, cuja cópia oferecida à Agência Estatística [IBGE] de Santa Cruz do Rio Pardo, pela santa-cruzense estudante de medicina, Maria Luiza de Andrade, aos 19 de dezembro de 1973.
Luiz Costa, médico formado em 1924, faleceu ainda jovem, em Rubião Junior – Botucatu, aos 17 de fevereiro de 1934. Trabalhou no Serviço Público - Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, além de autor da obra Tuberculose Pulmonar e Gravidez (Clinica Obstetrica), tese, 1924 (CD: A/A).
LC Sodré, num panorama geral apontava para Santa Cruz, zona urbana, 4 mil habitantes em 800 domicílios, e apenas dois prédios que possuíam rede de esgoto, a Cadeia Pública e o Grupo Escolar. O lugar era servido por duas pontes sobre o Rio Pardo, possuía 41 ruas e 7 praças, uma delas com parque e jardim com coreto – atual Praça Deputado Leônidas Camarinha, e eram regulares os serviços de rede elétrica.
LC Sodré, repreensor da administração coronel Antonio Evangelista da Silva, Tonico Lista, morto em julho de 1922, tinha visão crítica a respeito do saneamento básico e das medidas profiláticas adotadas para a sede do município, conforme item de seu trabalho dedicado aos 'Detritos e Limpeza Geral', informando que o lixo urbano era coletado, dia sim e dia não, apenas na parte mais central da cidade, por dois veículos, um para material sólido despejado em caixões, e outro para as águas servidas ou de lavagens em latões ou pipas.
O lixo sólido era despejado a céu aberto, em terrenos baldios destinados a esse fim, e o lugar mais usual eram terrenos situados 150 metros acima do hospital Santa Casa, dentro do perímetro urbano, sem as devidas atenções à saúde pública, lugar frequentado por urubus, animais roedores e de rastejamento, além de artrópodes inoportunos e de peçonhas, com fedor importunante, e a agravante presença de porcos e aves disputando restos. A parte líquida era desejada no Rio Pardo.
As duas situações demonstravam descasos das autoridades com o saneamento básico e com os fatores de poluição e insalubridade, com agravante dos terrenos baldios centrais e nas periferias, com amontados de restos de construções, matagais e lixos despejados, além de latrinas abandonadas.
Prosseguia LC Sodré que, afora as moscas domésticas, nas águas paradas e margens alagadas do rio e ribeirão proliferavam o mosquito 'cullex fatigans ou quinquefasciatus', de hábito noturno e que já se sabia, à época, causadores de preocupações em Saúde Pública, como vetor da 'elefantíase' e a 'hidrocele quilosa', além de transmissor secundário da 'oropouche' - febre viral.
LC Sodré também constatou naqueles ambientes as presenças de 'Stegomyia Calopus', o vetor da febre amarela, já com adaptações domésticas proliferando em vasilhames imprestáveis, cacos de garrafas, calhas de telhados, vasos e até urnas no cemitério, com possibilidades de surtos em qualquer época do ano.
Outro grave problema para a saúde pública, , no entendimento de Sodré, era a criação de porcos em quintais urbanos, destacados dois grandes criadouros às margens do ribeirão São Domingos, com duas centenas ou mais de animais, situados entre o lugar onde as mulheres lavavam roupas – região do chafariz, e o 'domicilio dos leprosos' - local de presença e atividades da hanseniana Rita Generoza de Andrade - Ritinha Emboava, e outros doentes:
Para LC Sodré, a presença da hanseniana, leprosa na linguagem da época, era tremendo descaso das autoridades municipais, através da fiscalização camarária, informando que o ribeirão antes de passar pelos chiqueiros passava pelos fundos de quintal da família doente, que se servia de um córrego que corria para o Ribeirão São Domingos, e ali tomavam os banhos, e lavavam as roupas, em aguas que corriam para onde a população se servia e lavava suas roupas. Entendimento da época, na visão de LC Sodré, assim se depreende, a presença de ‘leprosos’ acima dos chiqueirões de porcos era mais nefastos à população que os suínos.
Quanto a presença de hansenianos, com uso direto ou indireto das águas do ribeirão, sem méritos dos autores quanto a possíveis contaminações, todavia, das criações de porcos, há que se concluir efetivamente prejudicial ao homem, porque os animais pisavam, banhavam-se, defecavam, urinavam e alguns morriam, e tudo isto podendo ser arrastados, com verminoses possíveis e outras impurezas, ribeirão abaixo, situações capazes de interferir na qualidade da água e mesmo impregnar roupas lavadas, a ponto de intrometer-se na saúde humana.
De maneira igual era fato, onde a quantidade de porcos, ocorrer a contaminação do lençol freático e as infestações de parasitas em ribeirões, e a possibilidade de alguma condição para doenças de veiculação hídrica, ou em relação a água utilizada. A imundície de chiqueiros, além de cheiro horrível, facultava infestações de moscas, e a 'Tunga Penetrans' - o conhecido 'bicho de pé' propício em terreno seco e arenoso.
Dos vícios, mendicâncias e prostituições L.C. Sodré escreveu, de maneira tímida, todavia esclarecedora, que até o ano de 1923 o pauperismo não era significativo e a mendicância praticamente nula no município, senão, as notas da imprensa sobre os hansenianos - os leprosos ou morféticos, conforme denominações da época, que vinham esmolar na zona urbana.
Sodré informava sobre o alcoolismo e a prostituição como flagelos "que os poucos precavidos não escapam", revelando "alguns outros vicios mais dilectantes (cocaina e morphina) os vicios mais praticaveis pelos elementos mais perniciosos", sem apontamentos de causas e desdobramentos.
O trabalho de LC Sodré, viés notoriamente político eivado pelo ranço de sua família em relação ao coronel Antonio Evangelista da Silva, Tonico Lista.
Despertam atenções que LC Sodré juntou fotos para ilustrar o seu trabalho de 1923, sendo parte delas anteriores a 1907, quando seu pai, o médico Francisco de Paula de Abreu Sodré, era mandador político em Santa Cruz do Rio Pardo. Documentos atestam que as primeiras fotos 'santa-cruzenses' foram tiradas no início dos anos 1900, por Vicente Finamore a serviço da Câmara Municipal, com [apenas] algumas cópias chegando até os dias atuais (CD: A/A).

- Esclarecimento referente ao trabalho de LC de Abreu Sodré
A despeito da importância de seu trabalho, para a época, Luiz Costa [de] Abreu Sodré não foi o primeiro a escrever sobre a situação sanitária em Santa Cruz do Rio Pardo, conforme se apregoa. Em 1915 o médico Alcides Torres, radicado no município escreveu o 'Estado Sanitário de Santa Cruz do Rio Pardo', narrando a realidade sanitária da época, num trabalho visto como apologético à administração pública do coronel Antonio Evangelista da Silva, o 'prestigioso chefe político' local.
Em 1916 o mesmo Torres iniciou, em Santa Cruz, a obra “O Paludismo no Sudoeste Paulista”, concluído em Itapetininga - SP.
Notícias de 1917 aponta Santa Cruz preocupada com as destinações de águas servidas e esgotos, tanto que a Câmara, em sessão extraordinária de 04 de maio daquele, aprovou com emendas projeto de concessão, por trinta anos, ao coronel Sebastião Louzada ou à empresa que ele viesse organizar, para os serviços de abastecimento de água e instalação de rede de esgoto. 
Após tramitações de praxe e pareceres das comissões, na sessão ordinária de 02 de julho de 1917 a Câmara Municipal aprovou autorização para o prefeito celebrar o contrato, para os serviços de abastecimento de água e esgotos, na forma da concessão outorgada ao coronel Louzada. Não era o suficiente.
Outrossim a destinação do lixo urbano era situação crítica em 1917, e a municipalidade determinou lugar para o depósito do lixo urbano no extremo da cidade confinando com a antiga Chácara do Peixe, que se situava abaixo da atual Rua Joaquim Manoel de Andrade, entre as vias padre Pio Giocondo de Lorgna e Pedro Manoel de Andrade. Outro ponto de despejo do lixo urbano situava-se numa área delimitada entre as atuais ruas Quintino Bocaiúva e José Epiphanio Botelho, confinadas pelas vias públicas Rangel Pestana e Conselheiro Saraiva, também na divisa da então área urbana santa-cruzense com a Chácara do Peixe.
Com tais observações oportunas, sem dúvidas o trabalho de Luiz Costa de Abreu Sodré foi de grande importância, para se discutir os problemas sanitários e epidemiológicos santa-cruzenses da época.
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Bibliografia:
1. Registros Eclesiais https://www.familysearch.org/
3. CD: A/A - Cópias de Documentos em Arquivo dos Autores.
4. Santa Cruz de Antigamente - referências 
http://santacruzdeantigamente.blogspot.com/2015/09/bibliografia.html
 

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