segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Os coronéis e mandadores - 02

Cel. João Baptista Botelho
Edifício público  Fórum, Câmara e Quartel
(Delegacia e Cadeia)
 inaugurado em 1901 
— Histórico familiar e sócio-comunitario 
Do que se conhecia sobre o coronel João Baptista Botelho, quase tudo especado nas publicações do hebdomadário Correio do Sertão e, posteriormente, somadas às tradições, com mínima consistência histórica.
Documentos levantados revelam o coronel Baptista Botelho e seu tempo, sendo ele nascido em Lençóis Paulista, aos 27 de dezembro de 1856 (Correio do Sertão 12/07/1902: 1), filho de João Botelho de Carvalho e Jacintha Porcina de Jesus.
João Botelho de Carvalho, pai do coronel Botelho, descendia de Joaquim Botelho de Carvalho, casamento em segunda núpcia com Maria da Assumpção, sendo esse Joaquim o terceiro filho do patriarca 'açoriano' Francisco José Botelho, casado com Rosa Maria 'de Carvalho' (Carvalho 1998: 77-78), nascida em Jundiaí, filha do 'madeirense' Lucas Borges de Carvalho e Anna [Maria] Nunes Cardoza. De dona Jacintha Porcina, até o momento, [10/2020], de origem incerta.
No ano de 1851 consta que o Antonio Botelho de Carvalho, irmão de João Botelho de Carvalho, o pai do coronel, participou da saga sertaneja com José Theodoro de Souza (Nogueira Cobra, 1923: 32-33), ignorado se direta ou financeiramente. 
Da mesma forma desconhecida qualquer atuação de João Botelho de Carvalho, no entanto, ambos vistos entre os pioneiros proprietários de terras em São Pedro do Turvo, região que o conquistador-mor reservara para si, familiares e aqueles que, mesmo estranhos ao grupo familiar, eram próximos da intimidade do desbravador-mor ou vinculados pelo 'compadrio'.
Baptista Botelho, com segurança documental, encontrava-se com a família na região de São Pedro do Turvo, em 1873, sendo o seu progenitor contado entre "fazendeiros de cana de assucar" (Almanak da Província de São Paulo, 1873: 448), e lá residiam outros parentes e, depois, o seu futuro sogro, Francisco Narcizo Gonçalves.
Narcizo Gonçalves residiu em Brotas - SP, e lá contraiu matrimônio com dona Maria Julia de Jesus, em 1864 (Eclesial – Matrimônios, Brotas, 22/09/1864. Livro 1844/1866: 24), nascendo-lhes primeiro Guilhermina, em 1865/1866 - ausentes os assentos eclesiais entre 1865/1866, e depois o Antonio, segundo assento de batismo, aos 15/12/1867, idade de 18 dias (Eclesial – Batismos, Brotas, Livro 1867/1869: 35). 
A família residiu, ainda, em Espírito Santo da Fortaleza (Almanak da Província de São Paulo, 1873: 447), atual território bauruense, antes da chegança a São Pedro do Turvo. 
Coronel Botelho casou-se com dona Guilhermina Brandina da Conceição, ele idade de 24 anos e ela entre os 14/15, figurando o casal em testemunhos de casamentos e apadrinhamentos de batizandos em São Pedro do Turvo, a partir de junho de 1880 (Eclesial, Batismos, São Pedro do Turvo, 29/06/1880, Livro 1: 58), já residente em Santa Cruz do Rio Pardo, trabalhando em compra e venda de terras, às vezes como intermediário e procurador de terceiros.
De família abastada, enriqueceu-se ainda mais, e meteu-se na política santa-cruzense, no ano de 1882, nomeado 2º suplente de delegado de polícia; depois membro da 'Comissão de Obras Públicas', na construção do prédio da cadeia local e juiz municipal – 1º suplente (Correio Paulistano, 02/08/1882; 28/11/1883; 09/05/1884; e outras referências).
Em 1885 nomeado 1º suplente de juiz municipal e de órfãos, até 1888, de fato, como efetivo exercente e assim referenciado (Almanach Província de São Paulo, edição 1886: 478, exercício 1885). 
Botelho filiou-se no Partido Liberal, chefiado por Jacob Antonio Molitor (Correio Paulistano, 23/09/1884: 2), o representante regional do capitão Tito Correa de Mello, partido no qual visto em 1888, ele e seu irmão Joaquim José Botelho, reconhecidos chefes liberais, em vez do Molitor, pelos egressos conservadores, Francisco Garcia de Oliveira, Miguel Antonio de Souza, Manoel Carvalho de Oliveira, Manoel Garcia de Oliveira, Antonio Caetano de Oliveira e Luiz Garcia de Carvalho (A Provincia de S. Paulo – depois Estado de S. Paulo, 26/07/1888: 2).
Ávido por terras, sua estrutura fundiária, com cem mil ou mais alqueires de terras (R.SNA, 1903 - II: 98-161), mostrava-o, além da riqueza, também poderoso e subornador:
"Havia larga margem para arbítrio na apreciação de cada caso e os legitimantes, por isso mesmo, ficavam à mercê do funccionário encarregado do serviço, sobretudo no ponto referente à cultura effectiva e morada habitual (Nogueira Cobra, 1923: 91)." 
Botelho avançava posses, alterando divisas a seu favor sobre terras devolutas ou usurpadas de legítimos donos, herdeiros ou sucessores, com datas retroativas, e de pronto fazia povoá-las através de prepostos de titularidades de falsos e mesmo inexistentes agricultores, para garantir direitos, sob caras demandas que o desapossado não tinha como suportar, ou tempo até se consumar a prescrição.
Era o chamado 'grilo articulado', e as terras lhe retornavam documentalmente limpas, numa compra simulada, quando não escrituradas mediante fraudes.
"Aventureiros agrimensores e legítimos donos das terras disputavam a posse delas, todos em busca da escritura legítima, oriundas das três grandes posses abertas por José Teodoro de Souza, no vale do Rio Pardo, Rio do Peixe e Paranapanema. No mais das vezes, estas disputas começavam nos fóruns das Comarcas recém-criadas e terminavam em terríveis tocaias, quando as sentenças finais vinham das descargas das espingardas e dos trabucos." (Rios, 2004: 27).
O coronel Botelho era homem violento, assim dito e justificado pelo Correio do Sertão: "(...) commeteu erros, não ha duvida, mas seus erros tinham uma athenuante: è que elle sendo um homem sem instrucção, atrazado, nascido e creado no cabo do machado, não sabia cercar-se do melhor elemento para governar." (Correio do Sertão, 09/04/1903: 2).
Em torno de seu poderio criaram-se loas, dentre elas, que a ele recorrera João Evangelista da Silva para proteção ao filho, Antonio Evangelista de Souza - o Tonico Lista, que na noite de 10 de junho de 1892 assassinara dois policiais de São Paulo de passagem por Santa Cruz do Rio Pardo.
Rios descreve o poder do coronel: "Ninguém aqui será preso enquanto estiver sob a proteção do Coronel João Batista Botelho. Porque ao nosso delegado falta coragem para ir buscá-lo e a preguiça não lhe permite caminhadas longas." (Rios, 2004: 28).
No entanto, o próprio coronel Baptista Botelho era o delegado de polícia, titular, por ato de nomeação do Governo de São Paulo (DOSP, 21/05/1892: 3 [2927]), sendo suplente o seu homem de confiança, Luiz de Oliveira Martins.
O coronel somente deixaria o cargo policial, a pedido, em agosto de 1894, para assumir nomeação de juiz municipal, 1º suplente mas para o exercício de fato, substituído no cargo desocupado pelo seu indicado Moyses Nelli (DOSP, 04/08/1894: 4).

— Chefe político prestigioso
Botelho assumiu a chefia perrepista uma primeira vez, no período de 1890 a 1892, quando provocou a queda do coronel Marcello Gonçalves de Oliveira, que retornaria ao cargo, com ajuda da família Costa, para nele permanecer até sua morte em 1896.
Morto o Marcello, Botelho não teve dificuldades para assumir o lugar como 'prestigioso chefe político' até 1901, quando definitivamente alijado do poder.
Em janeiro de 1897 Botelho recebeu sua nomeação como Coronel Comandante da Guarda Nacional da Comarca: "Por decreto de 21 do mez findo foram nomeados: Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo - Commando superior. - Coronel - Comandante superior, tenente-coronel João Baptista Botelho." (DOSP, 10/02/1897: 5).
No seu tempo o coronel Botelho, como chefe político do PRP santa-cruzense, fez eleger e viu reeleito deputado estadual, o advogado dr. Cleophano Pitaguary de Araujo, nas legislaturas de 1898/1900 e 1901/1903, pelo 5º Distrito.
O coronel Baptista Botelho, no ano de 1900, dominava a política na comarca, quando a decisão do presidente da república, dr. Campos Salles, romper os compromissos políticos e quebrar a unidade partidária estadual, ato considerado intromissão indevida e, neste conflito de interesses, o presidente do estado paulista, dr. Rodrigues Alves, apoiou o Campos Salles sob a promessa da indicação do seu nome para a Presidência do Brasil.
Dentre as desavenças político-administrativas locais, avultaram-se Antonio José da Costa Junior e o seu genro Francisco de Paula de Abreu Sodré, já forças estabelecidas, ambos residentes na localidade.

— O poder contestado – dissidência 'perrepista'
A ambição de Costa Junior na liderança política local consolidara-se com a chegada de Francisco de Paula Rodrigues Alves ao governo de São Paulo, em 1900, em detrimento aos interesses do coronel Botelho, e, então, a dissidência. 
Com a cisão 'perrepista', Costa Junior, político habilidoso, detectou os insatisfeitos santa-cruzense e assumiu o diretório local em desfavor a Botelho, conforme Rios, "deposto pelos próprios correligionários de escalão superior" (Rios, 2004: 49-50).
Rios complementaria:
—"Aí se iniciara a divisão política santa-cruzense: fora aberto um fosso entre as duas correntes que até há pouco tempo viviam em harmonia, numa luta que viria separar famílias, amigos, até irmãos. Luta pelo mando, pelo poder, face ao que o adversário político seria considerado inimigo pessoal." (Rios. 2004: 63).
Iniciava-se período político sangrento na história local.
Francisco de Paula de Abreu Sodré, genro de Costa Junior, firmou-se líder santa-cruzense, rompendo pessoalmente com o coronel Botelho, 'esquecido' que pouco antes, em março de 1900, ele e a esposa batizaram a Benedicto, filho do coronel e de dona Guilhermina.
O grupo fiel ao coronel Botelho, na dissidência, perdeu as eleições gerais de 1900, e para a história local isto foi uma desonra ao abatido Botelho.
O prestígio do coronel arruinara-se, e numa última reação confrontou-se com o grupo Costa/Sodré, no pleito municipal de 16 de dezembro de 1901, extremamente violento, e culminou com a acachapante vitória de Abreu Sodré.
O engenheiro/arquiteto alemão, Edmundo Krug, a serviço do governo paulista nos levantamentos hidrográficos e aberturas de estradas na região, descreveu a violência política:
"Ahi ha pessoas de posição social bem elevada, dizem-me, porem, que justamente houve lutas bem renhidas na epocha da effervecencia política, e tudo porque? pensam os meus leitores, talves, por causa do bem estar do logar? enganam-se si assim julgam: tão hospitaleira é esta terra, mas as fraquezas humanas são sempre as mesmas em todas as cidades, em todas as regiões, em todas as terras: a intellectualidade pretende dominar, quer subir e governar o menos intruido, sabendo geralmente que aquelle quer mandar, ergue ainda mais a cabeça, não se curva; então começa a luta politica, que ahi no interior acaba com brigas e páu, tiros de garrucha e mortes." (Krug, 1925: 2).
Do mesmo assunto, num texto publicado em alemão, Krug mostrou-se mais contundente:
"Santa Cruz desfruta da triste fama de ser uma cidade política, aqui pois a política é uma bagunça maior e mais burra que em outros lugares do sagrado Estado de São Paulo, existem dois partidos os jagunços e os pica-paus que brigam sem parar sem que tivesse logicamente algum resultado que poderia ser útil para a cidade e seus habitantes.
Briga pessoal e tudo isso faz com que o bem da cidade e suas pendengas está sendo esquecido completamente, só intrigas e chicanas estão na ordem do dia. Infelizmente Santa Cruz não está sozinha com a sua política municipal, nos temos muitas pequenas cidades que podem agradecer seus políticos de chegar a lugar nenhum. Os políticos municipais infelizmente são sem exceção tão ignorantes que eles efetivamente não são capazes de diferenciar o certo do errado e por causa disso arruína tudo em vez de juntar as forças e iniciar progressos práticos. Se os jagunços ou os pica-paus tem razão objetivamente isto não é para mim diferenciar.
Praticamente os dois definitivamente não tem razão. Eles deviam ser sensatos antes de ter razão([22])." ('Í Deíne Reise nach dem Salto Grande Don Paranapanema, von Edmundo Krug, 1908, com a tradução do texto pelo sr. Christoph Donsbach, por gentileza do vereador santa-cruzense Rui Sérgio dos Reis, em janeiro de 2011').
Matéria de 1903, pró-Botelho, informava aquela eleição de 16 de dezembro de 1901 como 'bacanal política': 
"Indivíduos sem escrupulos repellidos pela opinião publica ou por todos aquelles que têm a felicidade de conhecel-os, tendo um estado maior composto de assassinos, resolveram, como meio de vida, se transformar da noite para o dia em chefes supremos desta terra, como, de facto, se transformaram. Uma vez feitos chefes, precisaram ganhar as eleições do dia 16: d'ahi a soldadesca encarabinada e a capangada engarruchada; d'ahi o atenttado barbaro, selvagem, escandaloso, contra o direito de voto no alludido dia; d'ahi, a espoliação de que foi victima o eleitorado desta comarca." (Correio do Sertão, 19/12/1903: 2).

— Apeado do poder – apelações desesperadoras 
Perdedor nas eleições de 1900 e 1901, Botelho ainda procurou reverter situações, em São Paulo, para assumir a chefia perrepista, retornando sem realização alguma. A viagem, segundo o Correio do Sertão que ainda o saudava como prestigioso chefe político, teria sido por motivos de saúde. (Correio do Sertão, 28/11/1902: 3).
Botelho, afastado do poder, perdeu alguns dos importantes correligionários. O dissidente de primeira hora, Moyses Nelli, renunciou ao cargo de suplente de delegado, no qual em exercício, e colocou-se ao lado dos vencedores para eleger-se juiz de paz; e outros companheiros seguiriam o mesmo rumo, e até o deputado dr. Cleophano Pitaguary de Araujo, fiel a Botelho, sentia-se constrangido: 
"S.Exc. manteve comnosco disse-nos francamente que em tudo que se relacionar com melhoramentos e progresso desta zona e, em particular desta localidade, se esquecerá de sua posição de dissidente, que sò manterá no terreno puramente político." (Correio do Sertão, 12/04/1902: 2).
O coronel tentou compreensão popular, num documento dos dissidentes ao eleitorado, que assinou conjuntamente com o deputado Pitaguary e João Evangelista da Silva, pai de Tonico Lista, que o PRP dissidente se absteria das eleições para presidente do estado, vaga aberta com a renúncia de Rodrigues Alves, concorrente para a presidência do país: "(...) declaramos ao brioso e independente eleitorado dissidente deste município que, consoante tal deliberação, não pleiteamos a eleição para presidente do estado." (Correio do Sertão, 10/05/1902: 3).
O informativo esclarecia, ainda, sobre a decisão partidária dissidente em não participar das eleições municipais para Juízes de Paz. Tal documento, assinado aos 07 de maio de 1902, foi o último ato político e não correspondido de Baptista Botelho, e, a seguir, o advogado e ex-deputado Dr. Olympio Rodrigues Pimentel assumiu a chefia dissidente, posto declarado inapto o coronel para quaisquer decisões, inclusive pessoais.
A derrota política associada aos rumores de traição conjugal de sua esposa com Antonio Evangelista da Silva - o Tonico Lista, e o abandono pelos companheiros, levaram o coronel ao desespero, e, no dia dois de julho de 1902 tentaria suicídio, um tiro no ouvido direito, vindo a óbito aos oito do mesmo mês, e então toda a pompa do cortejo fúnebre, com completa cobertura pelo Correio do Sertão, em sua edição de 12 de julho de 1902, trazendo o rol dos presentes, os destaques e as oratórias.
Documentos e referências 'resgatadas' explicam e informam aquelas e as outras causas que levaram o coronel ao tresloucado ato em pôr fim à própria existência.

— Grave crise financeira
A fortuna do coronel não era tão sólida quanto parecia.
Botelho teve problemas sérios com a primeira crise dos cafeicultores, em 1901, "difficuldades que vêm de longe, creadas pela crise financeira do paiz, aggravadas neste momento pela baixa do preço do café" (RG, U 1156, 1901: 5).
A crise de 1901, responsável pela bancarrota de grandes cafeicultores na época, agravara-se sobremaneira pela política deflacionária do presidente da república, dr. Campos Salles, seguida à risca pelo governo paulista.
O coronel, atingido pela desordem econômica, pusera-se a desfazer dos bens. Publicações em jornais da Capital e imprensa local revelavam que ao Botelho algo não ia bem, através dos anúncios de vendas de algumas de suas importantes fazendas: Dourado, Boa Vista, Salto da Boa Vista, Nova e Perobas.
As dificuldades financeiras do coronel eram tantas, que deixaria dívidas pendentes em seu espólio, por exemplo, a Joaquim José Pinto (Correio do Sertão, 24/05/1902: 3), fazendeiro na Perobas.

— Conflito conjugal
A tradição revela que o coronel Baptista Botelho e Dona Guilhermina não puderam ter filhos, ousando até que o Coronel seria infértil ou, mesmo impotente, e no registro de seu óbito constou que "não deichára filho algum", conforme declarações do sogro Francisco Narcizo Gonçalves (Cartório Registro Civil, SCR.Pardo, Certidão de Óbito nº 1894, de 09/07/1902 – L.C 4 de 16/03/1902 - 30/12/1903: 136 a. – v).
A despeito de longos anos casado com dona Guilhermina, pelo menos desde 1880/1882, o casal somente teve filhos identificados após 1895, primeiro a Maria, nascida aos 25 de outubro do dito ano (Igreja Católica, SCR. Pardo, Registro de Batismo nº 323), depois Benedicto, nascido aos 02 de março de 1900 (Igreja Católica, SCR. Pardo, Assento LX – 4323), este falecido em 07 de março do mesmo ano de 1900, conforme Registro de Óbito nº 567, no Cartório Registro Civil de Santa Cruz do Rio Pardo, mas não localizado o óbito de Maria, antes do falecimento do pai, o que evidentemente não a pressupõe viva por ocasião do ocorrido.
Apesar de insistentes conjecturas, não se pode comprovar relacionamento extraconjugal de dona Guilhermina com Tonico Lista, ou qualquer outra pessoa, contudo, morto Botelho, o então capitão Lista teve relacionamentos com a viúva antes de se casarem, primeiro 'no religioso', aos 17 de julho de 1904, e tiveram os filhos: João, nascido aos 19 de janeiro e batizado aos 03 de junho de 1905 (Batismo 1903/1907: 180) - seis meses após o matrimonio religioso; Rita nasceu aos 09 de fevereiro e batizada aos 08 de julho de 1907 (Batismos 1907/1911: 44) e Alice nascida aos 10 de agosto e batizada aos 24 de dezembro de 1909 (Batismos 1907/1911: 171). Dona Guilhermina tinha a idade de 39 anos quando do seu casamento com Tonico Lista, e gerou seus filhos com a idade de 39/40, 42 e 44 anos, respectivamente.

— A esposa dona Guilhermina Brandina da Conceição
Guilhermina, segundo as tradições, nasceu em Brotas - SP. no ano de 1865. filha do mineiro de Silvianópolis, Francisco Narcizo Gonçalves e de Maria Julia da Conceição - casados em Brotas aos 22 de setembro de 1864, sendo avós paternos Antonio Joaquim Gonçalves e Francisca de Paula Brandina, e os maternos Pedro Bicudo de Siqueira e Anna Lucia de Jesus; e são conhecidos os seus irmãos, Antonio, Alfredo, Francisco e Osório Gonçalves (Rios, 'Coronel Tonico Lista, o perfil de uma época', 2004: 74)as irmãs Amelia, Palmyra, Maria Julia, Carmelina e Clementina (Rios, op.cit, 75).
Não localizado assentos de batismos em Brotas correspondentes ao ano indicado para o nascimento de dona Guilhermina.    
Vista como mulher bonita, inteligente e opiniosa, teve sua personalidade forjada num lar de parcos recursos - o pai era comerciante, porém, família metida a classe média, na época, que se dobrava ante os coronéis e a eles cumpria obrigações.
Guilhermina, ainda menina moça, foi dada em casamento ao coronel João Baptista Botelho (Rios, op.cit, 52), homem reconhecidamente violento, que fazia controlar os passos da mulher, através de um escravo de seu plantel, o Luiz Antonio Pereira, vulgo 'Luiz de Saia', segundo lembranças nos anos de 1970/1980, homossexual, feito eunuco desde criança, conhecido pelos trejeitos e arroubos de feminilidade, além do hábito de usar vestido - roupa feminina, sob a qual portava armas de fogo e branca; e era bom de briga - capoeirista.
O cativo nasceu em Brotas, no ano de 1863, assim informado na lápide de sua sepultura, sendo evidente que ele e sua proprietária ou protegida criaram vínculos de cumplicidades, tanto que, liberto, continuou a lhe prestar serviços.
Luiz não acompanhou dona Guilhermina em sua mudança para São Paulo em 1919, permanecendo em Santa Cruz do Rio Pardo, onde faleceu aos 08 de julho de 1927.
Desde sempre 'Luiz de Saia', figura caricata, foi personagem marcante em Santa Cruz: educado, respeitador e cumpridor de ordens; alguns se espantavam ao vê-lo, especialmente crianças e visitantes, no entanto inofensivo, mas, que ninguém se enganasse, apesar de não encrenqueiro nem violento, o travesti 'Luiz de Saia' foi 'guarda-costas' da mais importante, poderosa e emblemática mulher santa-cruzense da época, dona Guilhermina Brandina da Conceição.
Guilhermina teve com o coronel Botelho a filha Maria e o filho Benedicto, mortos precocemente, todavia colocando por terra a propalada infertilidade do marido, embora se saiba, oficialmente, que o casal não teve outros descendentes ao longo de mais de vinte anos de casamento.
Fato notório, no entanto, chama a atenção, a denúncia de crianças enterradas na fazenda do coronel Botelho, no Bairro Ribeirão Grande (Correio do Sertão, 17/05/1902: 1), hoje município de Ipaussu. O caso teve desdobramentos (Correio do Sertão, 24/05/1902: 2), foram localizadas as sepulturas, mas as investigações findaram sem maiores detalhes, numa época que, se sabe, o coronel estava desgostoso e vivendo problemas outros, de cunhos político e financeiro.
Enviuvada do coronel Botelho, em 1902, Guilhermina casou-se com o coronel Tonico Lista - Antonio Evangelista da Silva, do qual viúva em 1922, contraiu terceiro matrimônio, em São Paulo, com o comerciante e proprietário Victor de Almeida Ressi ou Resse.
Dona Guilhermina faleceu em Santa Cruz do Rio Pardo aos 18/07/1929, idade informada de 64 anos, e natural de Lençóis Paulista.

— Desvios de dinheiro público 
O coronel Botelho, pelas memórias de antanho, desfrutava a figura de homem íntegro, enriquecido à custa do trabalho, mas, desde os resgates de documentos oficiais, tal imagem não mais o representa.
Botelho, nas oportunidades que teve, não hesitara desviar recursos públicos e mais enriquecer-se à custa do erário, em administrações voltadas para si e seus apaniguados.

— Falcatruas contra o Tesouro do Estado
O coronel Botelho exercia, por nomeação, o cargo de coletor de rendas quando, em 1889, solicitou exoneração, indicando como substituto o advogado João Castanho de Almeida.
No exercício das funções dr. Castanho de Almeida detectou rombo financeiro contra o Tesouro do Estado, praticado pelo seu antecessor, denunciando-o ao Governo Campos Salles. A força política do coronel, porém, prevalecera: 
"(...) foi exonerado o sr. João Castanho de Almeida, do cargo de colletor de rendas de Santa Cruz do Rio Pardo, e nomeado para substituil-o o sr. Antonio Olympio de Oliveira Ferraz."
Qual a causa dessa demissão?" (A Nação, SP, 03/09/1897: 1).
A matéria denunciativa prosseguia:
"O Collector foi demitido porque denunciou a existencia de uma fraude contra o Thesouro do Estado na importacia de 130 contos de réis mais ou menos e na qual esta envolvido um chefe politico dessa localidade [Coronel Botelho].
O dr. Campos Salles [Presidente do Estado de São Paulo: 1896/1897] que precisa de votos para vencer a sua vaidade e ambição [Presidência do Brasil: 1898/1902] não trepida em prejudicar os dinheiros publicos (será a primeira vez?...) e a repartição de um funcionario, entretanto que satisfação o capricho do chefe politico fraudulento." (A Nação, SP, 30/09/1897: 1).
Apesar do apoio político dado ao Dr. Campos Salles, o Coronel Botelho não resistiu à chegada de Rodrigues Alves ao governo paulista, indicado pelo próprio Campos Salles, o que o levou à dissidência em 1900.
Com a ascensão de Costa Junior e Abreu Sodré à liderança política local, Botelho viu ressurgir o assunto da fraude praticada, e isto teria sido mais um motivo, associado, para a tentativa de suicídio.

— Desfalques e desvios de verba pública municipal
Outra causa para Botelho atentar contra a vida, aliada ou não às demais justificações, foram as denúncias sobre desvios de dinheiro público municipal, malversação do erário, dilapidação dos bens municipais, formação de quadrilha, corrupção e exacerbado despotismo.
O coronel Botelho era o mandador político quando, no exercício de 1897, o fiscal da Câmara, Gaspar Serpa, foi demitido por razões político-administrativas, e, cinco anos depois, o Serpa colocaria sob suspeições as legislaturas 1897/1898, e 1899/1901, denunciando desvios de recursos públicos numa indagação sarcástica, sobre as procedências dos bens individuais de cada um deles e, aonde "que os honrados chefes e não menos sérios vereadores guardaram as rendas da camara durante os cinco anos que deixei de ser fiscal"? (Correio Paulistano, 01/02/1902: 2).
A postura de Serpa confirmava as razões que o Vereador e Vice-presidente da Câmara Municipal, Israel Machado, teria renunciado por recusar-se em "assinar folha de pagamento dos funcionários do Município, com diversos nomes fantásticos. (...) examinou e constatou as irregularidades. Jamais voltou, apesar de todo malabarismo dos interessados." (Carta de Israel V. Machado, pela sua família, datada de 28 de setembro de 1960, CD: A/A).
Procedia:
Machado eleito vereador em 1896 e escolhido vice-presidente da câmara, fez-se demissionário do cargo na sessão de 08 de abril de 1897, com a perda consequente da vice-presidência do legislativo. 

A Câmara eleita em 1901, para o triênio 1902/1904, resolveu investigar ambas as legislaturas denunciadas, nomeando duas comissões de investigações, uma interna formada pelos 'vereadores Salathiel Ferreira e Sá, Antonio Mariano Galvão de Moura Lacerda e Henrique Hardt', e outra externa e independente, pelo menos deveria ser, composta pelos, 'Coletor de Rendas Públicas, Ismael de Barros, o Delegado de Polícia, Capitão Ezequiel da Silva Guedes, e o industrial em São Carlos (SP) Ernesto Raffaelli, sócio de David Nelli' - este último, irmão de Moyses Nelli.
A comissão externa evidentemente, pela sua composição, não parecia independente, nem imparcial. 
As duas Comissões apresentaram o mesmo veredicto em março de 1902, o coronel Botelho era o culpado de um rombo maior que 10:000$000, dos cofres da municipalidade, e demais acusações imputadas, a ele e ao procurador da legislativo local, major Firmino Manoel Rodrigues [Roiz¨], sendo que este se recusara entregar às comissões os livros contábeis e demais documentos necessários a melhor investigação.
Contra Botelho as comissões tentaram, em vão, seduzir o major apenas cumprira as ordens dadas por Botelho, o presidente da câmara e chefe político. Com a negativa a Câmara solicitou buscas e apreensões dos documentos na residência do major Firmino, e que este fosse conduzido coercitivamente perante as comissões, para explicar retiradas pessoais de porcentagens, sobre os pagamentos inexistentes e as ausências de lançamentos, ou mais precisamente, onde estaria todo o montante desviado.
O Major evadiu-se e, assim, teria evitado provas documentais contra Botelho.
Algumas publicações colhidas no Correio Paulistano mostravam o cerco a se fechar em torno dos acusados, desqualificando testemunhos e defesas: "Entre a honra e a Privação (01/02/1902: 2); Cartas na mesa (21/03/1902: 2); "Calumnia Abatida" (17/04/1902: 1-3); e Caixeiro Expulso (17/04/1902: 2)." 
O Correio Paulistano em "Como se escreve a História!!!", revelou publicamente relatórios e atas das Comissões de Investigações nomeadas pela Câmara Municipal, conclusos pela culpabilidade de Botelho e de Firmino Roiz¨-" (Mala do Interior, edição de 23/04/1902: 2).
Estas foram as arremetidas do grupo 'sodrelista', dominante perrepista contra os dissidentes excluídos do poder. 

— Acontecimentos precedentes à tentativa suicida

Os dissidentes, acuados, buscaram justificativas e contraatacaram os 'sodrelistas', sem efeitos, pelo Correio do Sertão.

Botelho não tinha mais forças nem aliados fortes, e o processo camarário seria remetido ao judiciário e ele entregue à sanha dos adversários, onde juiz o dr. Augusto José da Costa, irmão e genro do dr. Costa Junior, além de tio e cunhado da esposa do chefe político Abreu Sodré.

Já se previa o Botelho preso, e este, para evitar a vergonha em vida, impelido pela depressão, decidiu pelo suicídio.

O coronel, ciente do futuro, optou por atentar contra a própria vida, aos 02 de julho de 1902, cujo óbito seis dias depois. 

O Correio do Sertão certamente não ignorava as causas do suicídio de Botelho, contudo, optou por preservar sua memória: 

"Não tendo deixado escripto algum explicando o motivo que o levou a praticar o lamentável acto de desespero, que causou-lhe a morte, constitue para nòs um mysterio, que talvez ainda seja desvendado. Má posição pecuniaria? Não, porque, segundo estamos informados, é ella das melhores. Alguma molestia incurável? É possível. Loucura? Não; pelo menos nenhum absolutamente nenhum acto praticou anteriormente que tal fizesse crer. Perseguições políticas? Talvez. O que é facto é que o suicídio do coronel Botelho é para nós um mysterio." (Correio do Sertão, 12 de julho de 1902: 1).
-o-